Texto extraído da entrevista com Dr. Antonio Condino disponível em nosso canal do YouTube.
Dr. Antônio Condino é um profissional muito respeitado e conhecido no meio acadêmico e científico. Ele é professor titular de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, diretor do centro Jeffrey Modell de Imunodeficiência de São Paulo e é presidente do Departamento de Imunologia da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Vamos falar sobre o mecanismo de ação das vacinas. Tem muitas vacinas em desenvolvimento, algumas mais adiantadas outras menos. Como se diferencia o mecanismo de ação dessas vacinas que hoje estão disponíveis no Brasil e no mundo?
Dr. Condino:
De fato existem muitas vacinas em desenvolvimento, algumas das quais já em aplicação prática e eu vou focar exatamente nessas que são as mais conhecidas e que tem perspectiva de uso aqui no Brasil. Eu vou dividir nos seguintes grupos: as vacinas de RNA, as vacinas de vetor viral inativado, as vacinas proteicas e as vacinas de coronavírus inativado. Então um primeiro ponto em comum à todas é que não existe, não temos nenhuma vacina de vírus vivo atenuado, então ninguém está tomando vacina de vírus da corona atenuada e correndo o risco de pegar infecção da vacina.
Esse tipo de problema não existe. Então é um primeiro esclarecimento e é importante falar isso já de saída na nossa perspectiva de combate às fake news. Existem mensagens que circulam pela internet falando sobre essas coisas e isso é mentira, não tem nenhuma vacina de vírus vivo.
Vacinas de RNA - Basicamente trazem um código genético da proteína S, a proteína Spike do coronavírus que o vírus utiliza para penetrar nas nossas células e se multiplicar no nosso organismo. Ele usa a proteína Spike, se liga ao receptor ACE2, e penetra nas nossas células. Lá dentro ele se multiplica e causa a doença. O RNA codifica somente o pedaço dessa proteína Spike, então esse RNA é empacotado em um lipossoma polietilenoglicol e a vacina é preparada em uma injeção intramuscular. Ao injetá-la; no interior das células musculares; esse lipossomo polietilenoglicol libera as sequências de RNA que codificam a proteína Spike, esse RNA utiliza a nossa maquinaria genética de transcrição e gera a proteína Spike e isso é liberado do nosso organismo e captado pelas células do sistema imunológico. A sequência é: as células são apresentadoras de antígeno, elas captam essa proteína S, elas apresentam para o linfócito T, que é um tipo de glóbulo branco, o linfócito T, por sua vez, estimula o linfócito B que é o que produz os anticorpos. Então é uma maneira de induzir o sistema imune da pessoa vacinada a produzir anticorpos que neutralizam a proteína Spike. Com isso, os anticorpos criam uma barreira contra a penetração do vírus nas nossas células. Então ali, o vírus não entra, os anticorpos bloqueiam. O vírus não tem como causar a infecção porque eles não conseguem entrar nas nossas células. Isso inclui a vacina da Pfizer e a vacina da Moderna.
Vacinas de vírus de vetor viral inativado -
São adenovírus, vírus que causam resfriado comum. Esse vírus recebe uma inserção da sequência genética da proteína Spike, a mesma proteína Spike da anterior. Portanto é um vírus do resfriado comum, modificado geneticamente para expressar a proteína Spike. Ele é inativado, dentro do laboratório, portanto ele não causa infecção. O que acontece? Em vez de usar os pacotinhos de lipossomos de polietilenoglicol nós utilizamos um outro vírus modificado geneticamente. Recebendo a injeção intramuscular com esse vírus modificado geneticamente para expressar a proteína Spike, a proteína Spike vai ser de novo, capada pelas nossas células apresentadoras de antígeno, linfócito T e linfócito B, vai criar anticorpos antiproteína Spike para esses anticorpos servirem como uma barreira contra a penetração do vírus no nosso organismo. Isso inclui a vacinas Oxford AstraZeneca, Johnson & Johnson Janssen e a Sputnik com tecnoliga parecida.
Vacinas chamadas proteínas – proteicas – Esta é a Novavax, de um laboratório novo americano. O que acontece? As sequências genéticas que produzem a proteína Spike são inseridas em um sistema de cultura celular epitelial. Essas células produzem a proteína Spike já diretamente e então essa proteína S recombinante é transformada em uma vacina. Nós temos tecnologia parecida e experiencias muito positivas com a vacina tríplice difteria, tétano e coqueluche. São vacinas muito imunogênicas que foram adaptadas para o coronavírus. Estas proteínas S recombinantes são injetadas no músculo e já são ofertadas ao sistema imune do vacinado, seguindo a mesma rota imune das anteriores - linfócito T, linfócito B, anticorpos anti-proteína espícula, que vão servir como uma barreira para a penetração do coronavírus.
Vacinas do coronavírus inativado – Cultiva-se o vírus em um laboratório de segurança máxima, o coronavírus é inativado no laboratório e é transformado em uma vacina. Esta é a CoronaVac que nós temos aqui no Brasil. A vacina CoronaVac nesse ponto difere das outras porque é o vírus integral. Então ali nós vamos fazer anticorpos anti-proteína espícula, antiproteína N, antiproteína do envelope, ou seja, é uma vacina que oferece mais antígenos virais para o nosso sistema imune reagir. Nesse sentido ela é bastante completa.
Eficácia - Agora vamos colocar do ponto de vista de eficácia e a questão da interpretação de exames. As vacinas de RNA vetor viral modificado geneticamente e vacina proteica tem como base a proteína S. Portanto, respondendo à pergunta: "será que a vacina pegou? será que eu estou protegido?" O exame correto é pedir à sorologia é de anticorpos anti IGM e IGG antiproteína espícula que são os anticorpos neutralizantes. Não faz sentido eu utilizar os primeiros kits que surgiram ano passado para coronavírus para saber se pegou a vacina.
Porque aqueles kits medem proteína N, eles vão medir outros anticorpos para outros componentes do vírus. Por exemplo, eles podem até servir para medir a resposta anticórpica da Coronavac, mas não para essas outras vacinas. Então se nós tivermos que escolher um exame sorológico para saber se a vacina pegou e se nós estamos protegidos, tem que ser a sorologia dos anticorpos antiproteína da espícula
Tempo de resposta da vacina - temos também o tempo para pedir esse exame. Não adianta tomar a vacina hoje e pedir o exame amanhã. O sistema imune idealmente necessita de um tempo de três a quatro semanas para montar toda a resposta imune. Então é um exame que nós só vamos pedir depois de três a quatro semanas da última dose de vacina, também não adianta pedir depois da primeira dose. Tem que dar a dose de reforço e esperar um mês para poder fazer o exame.
As variantes do vírus - As vacinas atuais funcionam contra as novas variantes do coronavírus? A variante do Brasil? A variante do Reino Unido? E a Variante da África do Sul? Aparentemente estão funcionando sim. Os dados preliminares sugerem que existe uma altíssima circulação do virus em países que adotam políticas de saúde menos eficazes; neste locais o vírus circula mais livremente e tem um número muito maior de pessoas infectadas. O Brasil está nesse grupo.
Então, quando o vírus circula livremente entre as pessoas, o ele evolui do ponto de vista genético. Ele começa a se modificar e ficar mais ousado. Nós temos que pensar que o vírus não tem a obrigação de se curvar à nossa espécie, se ele puder ele vai dominar a nossa espécie. Assim que funciona a natureza. Então o vírus está solto e ele está evoluindo do ponto de vista genético. Vai chegar uma hora que ele vai apresentar uma mutação e que as vacinas não vão funcionar. E eu lhe pergunto, porque tomamos vacina de gripe todo ano? Por que? Porque o vírus da influenza evolui de uma maneira muito rápida. E o coronavírus também vai evoluir de uma maneira muito rápida.
Vacinas atualizadas anualmente - Então o que eu vejo: ano que vem, 2022, nós teremos a atualização das vacinas. Quem vai conseguir atualizar a vacina serão justamente as de tecnologia recombinante: RNA, adenovírus modificado geneticamente e vacina proteica recombinante. Isso porque nós já conhecemos quais são as variantes genéticas do vírus, sabemos que afetam realmente a proteína Spike em determinadas regiões, portanto as mutações já foram identificadas. O que você vai fazer? Você vai atualizar a vacina, você vai inserir essas sequências mutantes lá, então ano que vem nós teremos atualização da vacina da Moderna, da Pfizer, da Sputnik, da Oxford, da Janssen. Agora da coronavírus original aí não vai dar para atualizar, porque vai ser a básica, o vírus que foi inicialmente identificado; a não ser que se faça uma cultura das cepas em laboratórios de alta segurança para você fazer um mix de vírus mutante com um vírus original. O que é muito mais complicado e muito mais demorado.
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