O entrevistado do 4º Programa no nosso canal do YouTube é:
Katia Jane Ferreira
Formada em engenharia química e direito. Mestranda em direito civil e especialista em patentes e inteligência competitiva. Atua na área de propriedade intelectual há 25 anos e é uma das Sócias do Escritório Aoki, Ferreira, Mattioli & Yamashita.
Somente em 1996 a área tecnológica, incluindo fármacos, passou a ser coberta pela lei de proteção de patentes:
Eu acho que nós temos que voltar um pouquinho no tempo e entender como chegamos até aqui pois esse assunto foi muito debatido nos últimos tempos e objeto de uma discussão do STF.
A nossa legislação atual, a legislação que cobre não só fármacos, mas todas as áreas de tecnologia, é uma legislação de 1996, é a lei 9279 de 96, que é resultado de uma necessidade de mudança na nossa legislação de propriedade intelectual daquela época. Até então, o antigo código de propriedade industrial não previa a proteção para a área química, farmacêutica e alimentos. Essa área de tecnologia passou a ser passível de proteção por patente em 1996/1997, quando a legislação entrou em vigor. Nós temos momentos históricos muito interessantes, porque até essa data a questão patentária não estava presente no nosso cenário, no nosso mercado. Todos podiam fazer aquilo que bem entendessem, já que não havia a previsão de proteção.
Trazendo um pouco desse apanhado histórico, nós temos um pilar importantíssimo das patentes que é o tempo de vigência, o tempo de proteção. A discussão que nós estamos enfrentando agora, que já não é mais tanta discussão pois já tem uma decisão que gira em torno deste tempo de vigência.
Na legislação antiga do nosso código de propriedade industrial anterior a 1996, a proteção era garantida por 15 anos. Mas por forças de tratados internacionais, inclusive um tratado muito importante que é o TRIPs, um tratado relacionado ao comércio versus propriedade intelectual, esse tempo de vigência foi garantido como o mínimo de 20 anos que é o adotado hoje nas grandes jurisdições. E nós estamos falando de 20 anos de forma uniforme para todos os países. O que acontece é que o Brasil, por uma questão muito local, este prazo acabou se modificando.
O gargalo do INPI:
Aqui o prazo das patentes ficou condicionado diretamente capacidade de processamento do nosso Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), que é o órgão responsável por analisar as patentes depositadas, e decidir pela proteção ou não.
Os recursos que o Brasil tem disponível no INPI são insuficientes frente a quantidade de processos para análise e por isso houve um acúmulo que nós chamamos de back lock. Em geral, nenhum caso na área e fármacos era analisado antes dos 10 anos.
Neste cenário, o Brasil visando dar alguma espécie de proteção mínima, instituiu que na nossa legislação local, as patentes iriam ter vigência de 20 anos contados da data de depósito, ou seja, daquele seu pedido inicial ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial, ou 10 anos a partir da concessão, aplicando o prazo que fosse maior.
Então nós tínhamos uma situação em que se o INPI começava a fazer o exame após os 10 anos, e com isso chagávamos a patentes de 21, 22, 23, 24, e conhecemos casos de até 32 anos de vigência.
Essa era a situação que nós vivíamos e que na minha visão não era uma situação boa para nenhum dos dois atores: nem para a indústria de genéricos e similares e nem para a indústria inovadora pois era ambiente de grandes incertezas para os dois lados.
A mudança na legislação:
Os impactos gerados por essa situação crônica ao longo dessa experiência de 20 anos que nós vivemos aqui no Brasil foram submetidos ao STF através de uma ação direta de constitucionalidade, que é a ação 5529 que foi objeto de discussão no STF em muitas sessões.
O STF entendeu por bem considerar inconstitucional o parágrafo único do artigo 40, que é justamente esse aparato que fala que as patentes não vão ter vigência inferior a 10 anos na concessão. A partir do momento que ele deixa de existir, existem impactos.
Esses impactos foram modulados pelo próprio STF. O que o STF nos diz? Para a área de fármacos, nenhuma patente que ganhou os 10 anos da concessão vai continuar com ele.
A partir de agora, a partir da publicação dessa decisão, todas as patentes retroagem ao que elas deveriam ter ganhado, que são 20 anos da concessão. Os efeitos da modulação para a área de fármacos foram significativos. Para outras áreas tecnológicas, as patentes persistiram com esse tempo de vigência aumentado, dos 10 anos da concessão, mas a partir de agora as patentes que passarem a ser concedidas vão ganhar só 20 anos.
E ainda tem um terceiro aspecto de modulação que os casos que estivessem judicializados, porque muitas empresas questionavam essa questão do parágrafo único do artigo 40 ser aplicado às patentes na área de fármacos e na área agro. Os casos judicializados também serão modulados. Mas para a área de fármacos, o grande resultado é que todas as patentes que fizeram jus aos 10 anos da concessão passam a ter os 20 anos da data de depósito. Isso é um impacto significativo importantíssimo para todos os atores nesse cenário.
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