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Lei da Pesquisa Clínica: um marco regulatório histórico para a pesquisa clínica em seres humanos no Brasil




A lei nº 14.874, sancionada em 28 de maio de 2024, determina os princípios e regras a serem observadas na condução de pesquisas clínicas em seres humanos, além instituir o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa. É fundamental valorizar a importância deste marco legal histórico para o país, o qual tem entre seus objetivos, além de reafirmar os preceitos das Boas Práticas Clínica, simplificar e agilizar os processos de análise éticas e regulatórias dos projetos de pesquisa, suscitando na comunidade de pesquisa expectativa de aumento importante do número de pesquisas clínicas conduzidas no Brasil, além de maior atração de patrocinadores internacionais.


Naturalmente, a nova lei mantém preceitos já vigentes e fundamentais previamente descritos na Resolução da Diretoria Colegiada 466 de 2012 e no Guia de Boas Práticas Clínicas. Adicionalmente, em relação a análise ética da pesquisa com seres humanos, a nova lei institui o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com seres humanos, constituído por uma instância nacional de ética em pesquisa e centros satélites de análise ética, representada pelos Comitês de Ética em Pesquisa. Estando sob responsabilidade da instancia nacional a edição de normas, avaliação da efetividade do sistema, credenciamento e acreditação dos Comitês de Ética em Pesquisa, acompanhamento e capacitação dos integrantes dos CEPs, bem como se apresentar como instituição de avaliação recursal quando necessário. A principal mudança instituída delega exclusivamente aos Comitês de Ética a responsabilidade de avaliar a qualificação dos pesquisadores e respectivos projetos de pesquisa cientifica apresentados, monitorar a sua execução e exigências regulatórias aplicáveis, eliminando a dupla aprovação ética vigente até o momento do Brasil.


Com relação aos prazos instituídos para a avaliação ética, a aceitação ou não da integralidade dos documentos da pesquisa deverá ser feita pelo Comitê de Ética em Pesquisa em até 10 dias úteis a partir da data de submissão, com emissão do parecer do projeto em até 30 dias úteis a contar do recepcionamento do projeto de pesquisa. Caso seja necessária a solicitação de informações adicionais ou ajustes antes da emissão do parecer, poderá ocorrer suspensão do prazo previsto em até 20 dias úteis, havendo prazo de até 10 dias úteis por parte do patrocinador ou pesquisador para resposta aos questionamentos recebidos, com prorrogação desse prazo mediante justificativa. Quando houver necessidade de avaliação recursal de um parecer emitido, a solicitação pelo pesquisador deve ser apresentada em até 30 dias úteis, sendo que a instância nacional de ética em pesquisa avaliará o recurso apresentado também no prazo de 30 dias úteis. Ademais está prevista a priorização de análise de pesquisas de interesse estratégico ao Sistema Único de Saúde e ao atendimento de emergências públicas de saúde, havendo nessa situação o prazo de 15 dias úteis para emissão de parecer do Comitê de Ética em Pesquisa.


O texto da nova lei mantém a normativa de proibição a remuneração de participantes de pesquisa, com provisão do ressarcimento necessário de despesas com transporte, alimentação e outros custos necessários. Fica mantido também o cadastro nacional de participantes saudáveis em estudos de bioequivalência, além da proibição dos voluntários participarem de mais de uma pesquisa simultaneamente.


Um aspecto importante da lei se refere ao entendimento sobre o uso do placebo, sendo este aceito nos casos de inexistência de métodos comprovados de profilaxia, diagnóstico ou tratamento para a doença alvo da pesquisa, ou quando os danos decorrentes do uso de placebo não superarem os benefícios da participação na pesquisa. A lei reassegura o princípio de que o participante da pesquisa não seja privado de receber o melhor tratamento disponível. Ao longo do texto da nova lei, são reafirmadas as responsabilidades do patrocinador e do pesquisador já previamente elencadas nas Boas Práticas Clínica. 


Em relação ao fornecimento de medicação pós-estudo, um dos aspectos mais esperados da nova legislação, houve mudança do entendimento do texto previamente aprovado pelo Congresso Nacional, sendo a princípio vetado pelo presidente em exercício o dispositivo que condicionava o fornecimento de medicação pós-estudo ao prazo máximo de 5 anos. Vale ressaltar que anteriormente, a RDC nº 38/2013 normatizava a disponibilização gratuita de medicamento aos participantes de pesquisa nos casos de encerramento do estudo, porém a lei recém sancionada traz em detalhes uma série de critérios que regem este fornecimento, instituindo a obrigatoriedade de um plano de acesso pós-estudo a ser submetido pelo patrocinador e aprovado pelo respectivo Comitê de Ética, justificando a necessidade do fornecimento gratuito do medicamento experimental pós-estudo por prazo determinado, o qual deve ser submetido para apreciação antes mesmo do início da execução do projeto de pesquisa clínica. A solicitação à autoridade regulatória também deverá ocorrer, para que a importação do produto seja autorizada e a continuidade do tratamento do participante não seja interrompida. A nova legislação ressalta a importância da individualização da análise para cada participante que receberá a medicação pós-estudo, avaliando o benefício individual e considerando a gravidade da doença e riscos a saúde, assim como a disponibilidade de alternativas terapêuticas satisfatórias.


Além de princípios e direitos dos participantes já bem descritos no Guia de Boas Práticas Clínicas sendo reafirmados na nova legislação, são explicitadas orientações em relação ao armazenamento dos materiais biológicos coletados como parte dos ensaios clínicos, sendo esclarecido que o material biológico humano armazenado, tanto em biobancos quanto biorrepositórios, é de propriedade do participante da pesquisa sob guarda da instituição responsável. Este deve ser utilizado somente com a finalidade descrita no protocolo, salvo quando houver autorização expressa no consentimento fornecido para uso em pesquisas futuras. Nos biobancos, o prazo de armazenamento é indeterminado e o gerenciamento do material biológico humano é de responsabilidade da instituição, já nos biorrepositórios o prazo deve ser determinado e o gerenciamento fica sob responsabilidade do pesquisador-patrocinador. Ao final do estudo clínico o material biológico poderá continuar armazenado (mediante autorização do participante), ser transportado a outro biobanco ou descartado.


Por fim, o registro da pesquisa clínica será realizado junto à instância nacional de ética em pesquisa e deverá ter dados atualizados em sítio eletrônico de acesso público. Está mantida a obrigatoriedade do patrocinador/pesquisador responsável pelo envio de relatório anual sobre o andamento do estudo ao Comitê de Ética, relatar os desvios ocorridos na execução do protocolo de pesquisa e os eventos adversos graves ocorridos, estes últimos também notificados a Anvisa. Em casos de interrupção da pesquisa clínica em curso, uma justificativa técnico-científica deve ser apresentada ao Comitê de Ética em até 30 dias úteis, assim como um relatório dos resultados obtidos até o momento da interrupção do projeto de pesquisa, com adicional comunicação da informação a Anvisa.


Toda a comunidade cientÍfica aguarda os impactos reais da nova lei no dia a dia dos projetos de pesquisa, assim como regulamentações operacionais subsequentes. Mas, sem dúvida, há uma expectativa positiva de ganho em competitividade do país e desburocratização dos processos no futuro.

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