Falar de evolução é falar de “transformação e mudança contínua, ... gradual em que certas características ou estados mais simples tornam-se mais complexos, mais desenvolvidos e aperfeiçoados; desenvolvimento, progresso” - Evolução | Michaelis On-line .
Dessa forma, a evolução digital pode ser compreendida como um processo contínuo de inovação e desenvolvimento técnico. A concepção de algumas ferramentas tecnológicas impulsionou as mudanças digitais que impactaram, praticamente, todos os setores e que vêm sendo aplicadas para o aprimoramento de diversos processos em inúmeros seguimentos do mercado.
Tais tecnologias foram também empregadas na saúde para o desenvolvimento e aperfeiçoamento de seus processos e, a cada dia, observa-se novas aplicabilidades com resultados admiráveis!
Uma das principais ferramentas propulsora de tal avanço foi a inteligência artificial (IA). A IA é um campo da ciência da computação que se dedica ao estudo e ao desenvolvimento de máquinas e programas computacionais capazes de reproduzir o comportamento humano na tomada de decisões e na realização de tarefas. Opera mediante a análise de um grande volume de dados e identificação de padrões.
Por si só ou combinada com outras tecnologias (como sensores, geolocalização e robótica), a IA pode realizar funções que, de outro modo, exigiriam a inteligência ou intervenção humana.
A IA é capaz de:
Perceber variáveis
Tomar decisões
Resolver problemas
Analisar dados
Fazer recomendações
Entender e traduzir idiomas falados e escritos
É empregada em diversas áreas, como mídia, comércio eletrônico, segurança digital, investigação e prevenção de delitos. Alguns exemplos de sua utilização no dia a dia são os assistentes de voz, reconhecimento facial, algoritmo de redes sociais, sistemas de tradução automática, entre outros.
A IA serve-se de métodos diversos, como o machine learning e o deep learning e pode ser categorizada de acordo com seu modo de funcionamento:
O machine learning é “o campo de estudo que dá aos computadores a habilidade de aprender sem serem explicitamente programados”. Consiste em sistemas treinados que usam dados e algoritmos que os permitem melhorar o seu desempenho ao longo do tempo.
O Processamento de Linguagem Natural (PLN ou NLP) resulta da mescla de diversas disciplinas, incluindo a ciência da computação, inteligência artificial e linguística, dedicando-se à geração e compreensão automática da linguagem humana, ou natural. Busca preencher a lacuna entre a comunicação humana e o entendimento dos computadores. Abrange vários domínios como imagem, visão, som e voz. A visão computacional, por exemplo, vê e identifica objetos, rostos etc. através da imagem e percepção do ambiente.
A robótica inteligente é uma ciência da engenharia aplicada que combina tecnologia de máquinas operatrizes e ciência da computação. O objetivo da robótica é criar máquinas inteligentes que possam auxiliar o ser humano de diversas maneiras em vários setores. O robô inteligente é um dispositivo que usa sensores para medir alguma condição no seu entorno e decide o que fazer em seguida, com base nas decisões pré-programadas ou aprendidas com o ambiente e as experiências.
Na saúde
Infinitas são as possibilidades para aplicar tais tecnologias na saúde, pois têm o potencial de auxiliar em todas as etapas, desde a prevenção, no diagnóstico, no tratamento, no monitoramento, na gestão de doenças e na pesquisa e inovação.
Podem também trazer benefícios como melhoria da qualidade e eficiência dos serviços da saúde, redução de custos e erros - há cada vez mais estudos demonstrando a economia que a inteligência artificial pode trazer.
Há um exemplo de aplicação da visão computacional, desenvolvido por uma startup, para auxiliar o tratamento de diabéticos, onde, através da foto do prato de comida, faz-se a contagem de carboidratos para o paciente ajustar a dose da insulina.
Na oncologia, onde um dos maiores desafios é o diagnóstico precoce, a IA vem sendo empregada para antecipá-lo. Como há muitos tipos de câncer, de exames e de formas de detecção que muitas vezes dependem de um indivíduo ou de uma equipe, a IA vem para ajudar nisso. Vimos recentemente a publicação de muitos estudos utilizando a IA na leitura de mamografias e detectando tumores de forma mais rápida, reduzindo assim, o tempo para o diagnóstico. Na radioterapia a IA é usada na otimização da dose de radiação, reduzindo os danos causados aos tecidos saudáveis e aumentando a eficácia do tratamento.
Na cirurgia robótica, há vários casos de sucesso com o emprego da IA. Em cirurgias minimamente invasivas, isso já é amplamente utilizado, pois permite maior precisão nos procedimentos e recuperação mais rápida dos pacientes.
Na genética, ocorreram mudanças exponenciais nos últimos anos, graças ao uso da IA, visto que permitiu analisar, em um curto espaço de tempo, um volume gigantesco de dados genéticos para identificar padrões e mutações.
Contudo, ainda permanecem os desafios de garantir que a integração da IA aos serviços de saúde seja feita de uma forma segura e ética. Deve-se assegurar a qualidade, a confiabilidade, transparência dos dados e dos algoritmos utilizados. Deve-se também salvaguardar os direitos à privacidade e à autonomia dos pacientes e dos profissionais da saúde. É crucial promover a equidade, educação e acessibilidade à inteligência artificial para todos os grupos sociais em todas as regiões do país. E, por fim, é fundamental estabelecer norma, mecanismos de avaliação, supervisão e responsabilização dessa inteligência artificial, não só na saúde, como em qualquer área.
Na pesquisa clínica
Na pesquisa, que tem um ambiente tão difícil, tão complexo, tão regulado, com tantas diretrizes, boas práticas etc., o emprego da IA ajudará enormemente a simplificar tal complexidade.
Nas últimas décadas, a pesquisa clínica passou por grandes transformações ao incorporar as tecnologias digitais em seus processos de negócio e suas rotinas diárias. Os documentos assinados e arquivados em papel, como, por exemplo, a CRF e os dossiês de submissão, deixaram de existir e foram substituídos por documentos, arquivos e plataformas eletrônicas. Hoje, a pesquisa já se adaptou a este cenário.
Como a evolução digital seguiu seu curso, hoje chegou-se ao que vem sendo denominado de estudo clínico digital, que nada mais são do que estudos que integraram o digital às várias áreas e fases da pesquisa clínica.
O que torna um estudo clínico digital?
Primeiramente, no recrutamento e retenção, tem-se o uso das mídias sociais para atrair pacientes e alavancar os números, o Termo de Consentimento Eletrônico (E-consentimento) e a comunicação entre o participante e o centro por meio de ferramentas digitais, como o WhatsApp.
Para esta fase, pode-se citar a experiência positiva que a empresa Laví Pesquisa Clínica teve na implementação do PLN para impulsionar o recrutamento. Eles adaptaram a linguagem simples tanto à forma de chat quanto ao WhatsApp, para que o paciente encontrasse facilmente um estudo clínico em que se encaixasse.
Como a grande dificuldade, ao buscar um estudo, tanto dos pacientes como até dos profissionais da saúde, é o entendimento dos critérios de inclusão e exclusão, a Laví utilizou a IA para traduzir os termos técnicos para uma linguagem descomplicada e para acompanhar a navegação do paciente até a conclusão de sua análise de aptidão. E para atrair os pacientes, utilizou-se de posts simples, em redes sociais, levando conhecimento sobre pesquisa clínica. Nos primeiros 2 meses, a IA aumentou em 5 vezes o número de voluntários inscritos nos estudos pela plataforma da Laví.
Em seguida, para a fase da coleta de dados de saúde, um estudo clínico digital utiliza-se de ‘wearables’ (“dispositivos vestíveis, que podem ser usados como acessórios”), tais como aplicativos em celular, relógios, pulseiras, sensores, geolocalizadores, biomarcadores e outras tecnologias que podem ser utilizadas para coletar dados de saúde ou relatos. Porém, infelizmente, ainda não se consegue extrair os dados clínicos dos prontuários eletrônicos e transferi-los para a CRF, visto que eles ainda não estão devidamente estruturados.
Um estudo clínico digital também precisa oferecer uma comunicação integrada para toda a cadeia. Todos os entes, seja o patrocinador, seja a CRO, seja o centro, o participante, o regulador, precisam trocar informações de maneira ágil e, para isso, precisam estar conectados e integrados num mesmo ambiente.
Para a monitoria, deve-se empregar o meio remoto e baseado em riscos. Deve existir a interoperabilidade da parte de APIs, que são as interfaces de programação, e Special FHIR, que é um padrão de uso de dados de saúde, estabelecido mundialmente.
A gestão do estudo digital deve ser feita por meio de ferramentas digitais, como os prontuários eletrônicos validados, o uso de sistemas de informação (Clinical Trail Management Systems), sistemas de captura eletrônica de dados, sistemas de visualização de dados (Power BI, Tableau e outros) bem como o bom e velho pacote Office, com Excel, e-mail corporativo, agenda compartilhada, mas desde que bem-feito e padronizado.
E, por último, a análise de dados deve ser cada vez mais digitalizada, cada vez mais dinâmica, com mais tecnologias inovadoras, como a análise de dados a partir de Real-World Data, Machine Learning ou a análise de dados e riscos em tempo real.
Para a implantação de tudo o que foi descrito até aqui, já existem diversas tecnologias disponíveis que permitem integração absoluta e online, em tempo real.
Obviamente, há também muitos desafios. Do ponto de vista do patrocinador, os custos de implementação podem ser muito altos e difíceis de executar, como encontrar fornecedores especializados em pesquisa clínica, que entendem o ambiente e a legislação. Do ponto de vista da CRO, a comunicação com o centro pode ficar bastante prejudicada e/ou dificultada à medida que se aumenta ou diminui o número de informações, e há também o risco de ocorrerem falhas na operação em regiões que têm menos internet. Do ponto de vista do regulador, Anvisa, CONEP, CEP, há o risco de não se atender à burocracia governamental. Para o centro, há as questões relacionadas ao baixo orçamento, a sobrecarga de trabalho, carência de mão de obra qualificada, e a complexidade de sua operação. E para o participante, o desafio é a inclusão digital, é encontrar participantes que consigam usar as tecnologias propostas, como os sensores, pulseiras ou celular para tudo isso.
Tendências futuras na pesquisa
Diante de toda essa gama de tecnologias, de transformações, é preciso pensar em desenhar o estudo levando tudo isso em consideração, pois trazer tecnologias aumentará a atratividade do Brasil para participar de estudos globais.
Por outro lado, a Lei 14.874/24 trouxe novos desafios digitais, pois ainda não há tecnologias disponíveis para atender a alguns dos procedimentos estabelecidos por ela.
Além disso, a tecnologia tem que atender não só à Lei 14.874/27, como a toda regulamentação do setor, incluindo a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
Também é possível citar outros desafios que envolvem a transformação digital, como os movimentos de fortalecimento da indústria nacional e a pressão para os centros trabalharem em rede.
Como avançar?
Primeira coisa é inserir a transformação digital na estratégia da organização e em seu orçamento.
É também necessário entender, melhorar e padronizar os processos de negócio. Será necessário capacitar as pessoas, da operação à gestão. A transformação digital não precisa ser algo ultra complexo, ela pode ser básica, desde que seja bem-feita. Integrar soluções é fundamental – deve-se procurar por tecnologias que possam ser integradas, que possam ser conectadas.
Em conclusão, para que se consiga sair desse lugar de pensar em tecnologias mirabolantes, “como um robozinho que faz tudo pela gente”, o mais importante é colocar na operação diária um pouquinho de tecnologia para, gradualmente, ir transformando os processos até chegar naquele lugar do estudo cínico digital.
Em suma, o grande objetivo do uso da IA na saúde deve ser sempre o de simplificar o complexo para impulsionar os avanços na ciência e promover a saúde global.
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Fonte: CRMeeting 2024, painel 6: Evolução Digital na Saúde e Pesquisa Clínica, aulas de Vinicius Agibert, médico oncologista, e Emerson Aredes, doutor em administração.
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